E a cada dia ampliava-se na boca aquele gosto de morangos mofando, verde doentio guardado no fundo escuro de alguma gaveta.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Extremos da Paixão






"... Não compreendo como querer o outro possa tornar-se mais forte do que querer a si próprio. Não compreendo como querer o outro possa pintar como saída de nossa solidão fatal. 
Mentira: compreendo, sim. 
Mesmo consciente de que nasci sozinho do útero de minha mãe, berrando de pavor para o mundo insano, e que embarcarei sozinho num caixão rumo a sei lá o quê, além do pó. O que ou quem cruzo esses dois portos gelados da solidão é vera viagem: véu de maya, ilusão, passatempo. E exigimos o eterno do perecível, loucos". 


Os devidos créditos:

Às vezes a gente vai se fechando dentro da própria cabeça, e tudo começa a parecer muito mais difícil do que realmente é. Eu acho que a gente não deve perder a curiosidade pelas coisas. Há muitos lugares para serem vistos, muitas pessoas para serem conhecidas.



quinta-feira, 25 de novembro de 2010





Vida do meu viver, não me interrogue. Quando enlaçada nos teus braços, a confissão de amor te ouço, e levanto os olhos para ver teu rosto. Se eu tremo, é porque  nessas esquecidas e afortunadas horas, não sei que voz do enleio me desperta, e me persegue e me lembra que a ventura com o tempo se esvaece, e o nosso amor é facho que se extingue.
De um lance, espavorida, minha alma voa às sombras do futuro, e eu penso então: 
- 'Ventura que se acaba um sonho vale apenas.









quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A Hora do Cansaço



As coisas que amamos, as pessoas que amamos, são eternos até certo ponto. Duram o infinito variável do limite de nosso poder de respirar a eternidade.
Pensá-las é pensar que não acabam nunca, dar-lhes moldura de granito. De outra matéria  se tornam, absoluta, numa outra (maior) realidade. Começam a esmaecer quando nos cansamos, e todos nós cansamos, por um ou outro itinerário, de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária, rebaixamos o amor ao estado de inutilidade.
Do sonho eterno fica esse gosto acre na boca, na mente, sei lá, talvez no ar.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010



Depois da confidência me retirei da tarde. O céu ficou vazio onde haviam pássaros. Uma febre roía meus ouvidos. Voltei mais velha, com um toque de infância entre meus dedos, reserva de sal dentro dos olhos.

domingo, 14 de novembro de 2010




O tempo passa.

Mesmo quando isso parece impossível. Mesmo quando cada tique do relógio faz sua cabeça doer como se fosse um fluxo de sangue passando por uma ferida. Ele passa desigual, em estranhos solavancos e levando a calmaria embora, mas ele passa. Mesmo pra mim.


sábado, 13 de novembro de 2010


As coisas não se completam como um baralho. A vida não é como pintam.
Ás vezes assisto tudo girar 360º, mas a mudança não foi suficiente. Os amigos continuam, o amor continua, e a pergunta volta:


- Eu vivi corretamente, ou eu vivi?


Aí é que as lágrimas voltam também...

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Chegue bem perto de mim. Me olhe , me toque, me diga qualquer coisa.
Ou não diga nada, mas chegue mais perto. 
Não seja idiota, não deixe isso se perder, virar poeira, virar nada.



(...) E recomeçar é doloroso. Faz-se necessário investigar novas verdades, adequar novos valores e conceitos. Não cabe reconstruir duas vezes a mesma vida numa só existência. É por isso que me esquivo e deslizo por entre as chamas do pequeno fogo - porque elas queimam. E queimar também destrói.





segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Cathy: Os meus maiores sofrimentos neste mundo têm sido os sofrimentos de Heathcliff; e eu vi e senti cada um deles desde o princípio, a minha grande preocupação na vida é ele. 
Se tudo mais desaparecesse e ele ficasse, eu continuaria a existir.
E se tudo o mais ficasse, e ele fosse aniquilado, eu ficaria só num mundo estranho, incapaz de ter parte dele. 
O meu amor por ele parece-se com as rochas eternas que ficam debaixo do chão; uma fonte de felicidade pouco visível mas indispensável.
Nelly, EU SOU Heathcliff! Ele esta sempre, sempre, na minha cabeça. Não como um prazer - porque eu também não sou um prazer para mim própria - mas como eu mesma. Portanto, não fales outra vez na nossa separação, pois é impossível.
Os devidos créditos -
http://devir-antesdosnomes.blogspot.com




Ela não aguenta mais.
Continua seguindo, movida por uma força desconhecida. Mas tropeça, seguidas vezes.
Ela, que sempre andou no meio da rua. agora tem medo de pisar até no meio-fio.
Caminhando à passos trôpegos na calçada, ela pára diante de uma poça d'água. Vê refletido um corpo, e ao lado dele uma alma, tentando se desprender.
Ela segue, lutando para continuar inteira. Mas sente que pouco a pouco se esvai.
Entre a dor e o mal, a pressa e a estupidez, a noite insiste em chamá-la, para um novo e indeclinável caminho. 

sexta-feira, 5 de novembro de 2010





Não sei como me defender dessa ternura que cresce escondido e, de repente, salta para 
fora de mim, querendo atingir todo mundo. Tão inesperada quanto a vontade de ferir, e 
com o mesmo ímpeto, a mesma densidade. Mas é mais frustrante. Sempre encontro a quem 
magoar com uma palavra ou um gesto. Mas nunca alguém que eu possa acariciar os cabelos, 
apertar a mão ou deitar a cabeça no ombro. Sempre o mesmo círculo vicioso: da solidão 
nasce a ternura, da ternura frustrada a agressão, e da agressividade torna a surgir a 
solidão. Todos os dias o ciclo se repete, às vezes com mais rapidez, outras mais lentamente. 
E eu me pergunto se viver não será essa espécie de ciranda de sentimentos que se sucedem e 
se sucedem e deixam sempre sede no fim.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010








Eu sei, mas não devia

Eu sei que a gente se acostuma.

Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E porque à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora.

A tomar café correndo porque está atrasado. A ler jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíches porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir a janela e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números da longa duração. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que paga. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com o que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes, a abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema, a engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às besteiras das músicas, às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À luta. À lenta morte dos rios. E se acostuma a não ouvir passarinhos, a não colher frutas do pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito porque tem sono atrasado. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.

Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.

A gente se acostuma para poupar a vida.


Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.















Os médicos estão fazendo a autópsia
Dos desiludidos que se mataram.
Que grande coração eles possuíam.
Viscéras imensas, tripas sentimentais,
E um estômago cheio de poesia.











Todos os dias esvaziava uma garrafa, colocava dentro sua mensagem, e a entregava ao mar.
Nunca recebeu uma resposta. Mas tornou-se alcoólatra.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010



E se realmente gostarem? Se o toque do outro de repente for bom? Bom, a palavra é essa. Se o outro for bom para você. Se te der vontade de viver. Se o cheiro do suor do outro também for bom. Se todos os cheiros do corpo do outro forem bons. O pé, no fim do dia. A boca, de manhã cedo. Bons, normais, comuns. Coisa de gente. Cheiros íntimos, secretos. Ninguém mais saberia deles se não enfiasse o nariz lá dentro, a língua lá dentro, bem dentro, no fundo das carnes, no meio dos cheiros. E se tudo isso que você acha nojento for exatamente o que chamam de amor? Quando você chega no mais íntimo, No tão íntimo, mas tão íntimo que de repente a palavra nojo não tem mais sentido. Você também tem cheiros. As pessoas têm cheiros, é natural. Os animais cheiram uns aos outros. No rabo. O que é que você queria? Rendas brancas imaculadas? Será que amor não começa quando nojo, higiene ou qualquer outra dessas palavrinhas, desculpe, você vai rir, qualquer uma dessas palavrinhas burguesas e cristãs não tiver mais nenhum sentido? Se tudo isso, se tocar no outro, se não só tolerar e aceitar a merda do outro, mas não dar importância a ela ou até gostar, porque de repente você até pode gostar, sem que isso seja necessariamente uma perversão, se tudo isso for o que chamam de amor. Amor no sentido de intimidade, de conhecimento muito, muito fundo. Da pobreza e também da nobreza do corpo do outro. Do teu próprio corpo que é igual, talvez tragicamente igual. O amor só acontece quando uma pessoa aceita que também é bicho. Se amor for a coragem de ser bicho. Se amor for a coragem da própria merda. E depois, um instante mais tarde, isso nem sequer será coragem nenhuma, porque deixou de ter importância. O que vale é ter conhecido o corpo de outra pessoa tão intimamente como você só conhece o seu próprio corpo. Porque então você se ama também. 





Tudo isso me perturbava porque eu pensara até então que, de certa forma, toda minha evolução conduzira lentamente a uma espécie de não-precisar-de-ninguém. 
Até então aceitara todas as ausências e dizia muitas vezes para os outros que me sentia um pouco como um álbum de retratos. Carregava centenas de fotografias amarelecidas em páginas que folheava detidamente durante a insônia e dentro dos ônibus, olhando pelas janelas e nos elevadores de edifícios altos, e em todos os lugares onde de repente ficava sozinho comigo mesmo. Virava as páginas lentamente, há muito tempo antes, e não me surpreendia nem me atemorizava pensar que muito tempo depois estaria da mesma forma de mãos dadas com um outro eu amortecido — da mesma forma — revendo antigas fotografias. 
Mas o que me doía, agora, era um passado próximo.