E a cada dia ampliava-se na boca aquele gosto de morangos mofando, verde doentio guardado no fundo escuro de alguma gaveta.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Ausência




Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces, porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida, e eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo está terminado. Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados, para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... Tu irás e encostarás a tua face em outra face. Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada, mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite, porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa, porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço, e eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado. 
Eu ficarei só com os veleiros nos portos silenciosos.
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir, e todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas, serão tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.


A uma mulher


Quando a madrugada entrou eu estendi o meu peito nu sobre o teu peito. Estavas trêmula e teu rosto pálido e tuas mãos frias. E a angústia do regresso morava já nos teus olhos.
Tive piedade do teu destino que era morrer no meu destino. Quis afastar por um segundo de ti o fardo da carne. Quis beijar-te num vago carinho agradecido.
Mas quando meu lábios tocaram teus lábios eu compreendi que a morte já estava no teu corpo e que era preciso fugir para não perder o único instante em que foste realmente a ausência de sofrimento em que realmente foste a serenidade.


segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Apenas mais uma memória mofada.

Falhei. Os astros seguem seu caminho.
Minha alma, outrora um universo meu, hoje não é nada.
Falhei. Quem eu era não sou mais.
De um pólo a outro pólo, tudo mudou dentro de mim.
Falhei. Consegui ser quem sou. Outrora. O que hoje já não consigo ser mais.
Cansei. De quê? Nem me adianta saber. Afinal, de que ajuda isso seria?
Chorei. Não só para mim mesma.
Sou fraca, desmorono, e sempre diante de uma platéia.
Amo muito. Sempre amarei.
Mas hoje só sinto o vazio dentro de mim.


Lenda do sonho que vivo, perdida por a salvar... Mas quem me arrancou o livro que eu quis escrever, sem acabar?


Dia 30 de outubro de 2009.